Jornalismo e Cultura Mobile

A internet modificou o modo de produzir e de consumir informação. Agora, os leitores preferem usar os celulares para se atualizar com as últimas notícias ● Por Bruna Somma, Brenno Carvalho e colaboração de Carolina Danelli



      Com o desenvolvimento da cultura digital na década de 90, os valores, pilares e hábitos do jornalismo passaram por um período de redefinição, sem precedentes. A internet e seu imensurável ciberespaço permitiram a criação de blogs, websites e redes sociais (como Facebook e Twitter) e também propiciaram o avanço das plataformas móveis.

     A junção destas interfaces modificou e impactou, decisivamente, o modo de ver e de fazer jornalismo. Os métodos tradicionais cederam espaço para que a modernidade viesse ensinar algumas lições, que ainda estão sendo apreendidas pelos profissionais e acadêmicos da área. O futuro da profissão e suas respectivas práticas e técnicas ainda é incerto e imprevisível.

     Essas interfaces construídas e propiciadas pela web ocasionaram o fenômeno conhecido como “convergência digital”. Os jornais e mídias de massa precisaram se reformular e tiveram que passar por um processo de letramento digital para fundar suas plataformas online, a fim de não perderem um maior contingente de leitores, e, sim, de alguma forma, fidelizá-los. É difícil ver um jornal impresso, hoje em dia, sem seu site e páginas nas redes sociais, por exemplo.

      Novas possibilidades de construção e consumo do conteúdo foram disponibilizadas, dessa vez em multiplataformas. Reestruturar o jornalismo na internet é saber publicar reportagens de maneira ubíqua, ou seja, como, quando e onde o usuário quiser e necessitar.

     A enxurrada de informação recebida diariamente faz com que a notícia deva ter as seguintes características segundo Luciana Mielniczuk, no livro “Jornalismo e Tecnologias móveis”:

  1. ser fragmentada e viral; 
  2. multimídia; 
  3. personalizada; 
  4. ter aspectos de infoentretenimento 
  5. ser participativa e interativa.

“Você tem uma abundância de informação e uma escassez de atenção”.
– Marcelo Soares, editor-adjunto de audiência e dados da Folha de S.Paulo. 


      O perfil do leitor também mudou. Ele prefere, muitas vezes, informar-se através das telas de smartphones e tablets, do que ler as notícias no impresso. Segundo a Pesquisa Brasileira da Mídia (PBM), realizada em 2015 e encomendada pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, a SECOM, o Piauí, Ceará e Paraná são os estados com maior adesão às versões on-line dos periódicos, respectivamente com, 39%, 25% e 22%. Amapá, Amazonas e Rio Grande do Sul, são os estados com menor aderência, 2%, 3% e 3%, respectivamente. 


Marcelo Soares defende a qualidade como fator
de escolha nas leituras da era digital. (fonte)
      É o que acontece com o jornal Folha de SP, que tem investido agressivamente nessas novas plataformas. “O leitor fiel da Folha vê muito mais vezes as informações pelo celular, por exemplo, e em visitas muito mais curtas”. Assim explica Marcelo Soares, editor-adjunto de audiência e dados do veículo. A pressa e a falta de tempo podem ser justificativas plausíveis para esse quadro. No entanto, as pessoas não deixam de procurar por conteúdos de qualidade e que possuam credibilidade.





Do Desktop às Plataformas Móveis


     A internet, portanto, foi o ponto de partida para uma significativa mudança estrutural no jornalismo. O primeiro estágio dessa transformação ocorreu, justamente, entre o impresso e o desktop (plataforma digital, com endereços de sites html). No entanto, esse processo de alternância, ao contrário do que muitos defendiam, não durou muito tempo, tendo em vista que a função e o alcance do uso dos smartphones começaram a ganhar força e adquirir uma nova dimensão. Os celulares deixaram de ser apenas instrumentos de telefonia móvel para permitir que seus usuários tivessem fácil acesso à internet, na palma de sua mão e, por isso, pudessem estar em contato e informar-se de maneira cada vez mais rápida e ubíqua.

     A PBM 2015 concluiu que o uso de aparelhos celulares como forma de acesso à internet já compete com o uso por meio de computadores (66%) ou notebooks (71%). O uso de redes sociais possui papel decisivo para se chegar a esse resultado. Entre os internautas, 92% estão conectados por meio de redes sociais, dentre elas o Facebook (com 83%), o WhatsApp (58%) e o YouTube (17%). 

     Os aparelhos móveis popularizaram-se, dessa maneira, por oferecer maior liberdade de expressão tanto para os comunicadores profissionais, como também para o público em geral. Fato que possibilitou o registro e as transmissões ao vivo, em tempo real. O celular tornou-se um objeto convergente, capaz de captar áudios, vídeos, fotografias, modificando clássicas práticas de edição e apuração de conteúdos que foram canonizadas ao longo da história do jornalismo. 

     A fim de não perder os leitores adeptos a essas novas ferramentas, as mídias impressas, sobretudo os jornais, tiveram que passar por uma transposição de conteúdo. O que antes era exposto em folhas de papel, agora é compartilhado em interfaces online, em sites de notícias – denominados de responsivos – feitos exclusivamente para estas plataformas móveis, como os celulares e tablets. 

     A informação para os tablets, contudo, não desencadeou tamanha repercussão. O foco maior é sobre a imbatível tecnologia mobile. Essa é a grande questão e objetivo das grandes empresas de comunicação atualmente. “Nós estamos num período de franca transição. Quando estávamos fazendo a transição do impresso para o desktop, o mobile chegou com toda força. Hoje, mundialmente você já tem o número de leitores mobile superando o desktop, com a gente já até empatado e tem meses que passa o número de usuários ultrapassa. Já chega mais leitores pelo celular do que pelo desktop. O diretor de conteúdo até brinca que o desktop vai morrer antes do papel do jeito que vai indo, o papel vai continuar e o desktop vai acabar”, explica Luís Fernando Bovo, editor para Mídias Digitais do Jornal Estado de São Paulo. 


boom informacional e a colaboratividade


     “Na internet você está concorrendo com todo mundo que quer chamar a atenção do leitor. Você tem uma abundância de informação e uma escassez de atenção”, avalia Soares. Esse paradigma fez com que as pessoas criassem uma necessidade e uma procura incessante por notícias.

     O ritmo de apuração, aprofundamento e pesquisa necessários para escrever e editar uma reportagem de qualidade muitas vezes também não acompanha a rapidez proposta pelo público. 

     Além disso, a internet deu voz aos leitores amordaçados. Se na época dos meios de comunicação de massa, estes eram considerados passivos, na era digital são ativos e possuem livre expressão de suas opiniões e pontos de vistas. Os receptores, agora, podem compartilhar seus próprios conteúdos, opinar sobre o dos outros, como também participar do processo de edição de uma notícia, sugerindo pautas e assuntos a serem abordados por exemplo. Por meio de aplicativos como o WhatsApp, os leitores garantem uma ferramenta de colaboratividade que o aproximam do papel de jornalista. O buraco da sua rua, o trânsito da cidade, um acidente visto sob seu ponto de vista pode virar notícia. É o processo conhecido como “jornalismo cidadão”.


“A gente imaginava que o leitor só entrava pela porta, agora ele entra pela janela”.
– Marcelo Soares, editor-adjunto de audiência e dados da Folha de S.Paulo. 


Novos modos de circulação e consumo


     Segundo a PBM 2015, encomendada para entender como o brasileiro se informa, a televisão continua sendo o meio de comunicação predominante no Brasil. 95% dos entrevistados afirmaram assistir TV, sendo que 73% tem o hábito de assistir diariamente. Esse paradigma, no entanto, vem passando por transformações. 48% já utiliza a internet. O percentual de pessoas que a utilizam todos dos dias cresceu de 26% na PBM 2014 para 37%. O hábito de uso da internet também mudou, tornando-se mais intenso. Os usuários das novas mídias ficam conectados, em média, 4h59 por dia durante a semana e 4h24 nos finais de semana.

     O sucesso da tecnologia mobile pode ser explicado pelo fato de que os leitores passaram a estar em todos os lugares e cada vez mais ávidos pela informação. “A questão é que até muito recentemente, a gente imaginava que o leitor só entrava pela porta, agora ele entra pela janela, pela chaminé, pelo buraco da fechadura, pelo assoalho. Ele vem do jeito que quiser e esse leitor é a maioria”, ironiza Soares, utilizando metáforas para explicar a falta de local certeiro para atingir seu leitor.

     A popularização do fácil acesso à informação por meio das telas dos celulares fez com que a circulação e consumo de conteúdos jornalísticos mudasse de paradigma. Aplicativos foram desenvolvidos somente para privilegiar quem lê as notícias em seus smartphones, e os sites para mobile possuem prioridade de atualização. Muitas vezes até antes do desktop. Tudo para que as reportagens cheguem mais rápido a quem as valoriza e as lê mais rapidamente. Tudo em função de angariar um público maior e ter uma maior repercussão, um feedback positivo. “Dependendo do dia e do horário, fazemos a chamada para o mobile antes de fazer para o desktop. Se for final de semana, por exemplo, não adianta você fazer no desktop o que depois você vai fazer no mobile. Vale mais a pena publicar primeiro no mobile porque todos estão conectados em seus smartphones, raros são os casos de pessoas que estão pelo desktop. Durante a semana, ainda vale postar no desktop primeiro. Então até esse fluxo de trabalho você tem que repensar. Quer dizer: o que eu faço primeiro? ”, questiona Bovo, do jornal Estadão.


Futuro Mobile


     O jornalista atual tem em seu caminho um arsenal de desafios, fluxos e necessidades esperando para serem pensados de forma coerente, correta e criativa. Alternativas para consumir e produzir os sentidos jornalísticos serão intensamente apresentadas tanto nas mídias sociais quanto em dispositivos mobiles. Por isso, a urgência pelo imediatismo jornalístico interfere na qualidade dos assuntos discutidos, pois se trata do jornalismo diário, em estado puro, um cenário ainda novo; diferente do que muitos jornalistas estão acostumados. E agora não só os profissionais, como também os seus leitores, são capazes de espalhar a notícia, facilitando e muito o alcance da informação. De fácil acesso e de modo prático, o “mobile journalism” é o futuro dos produtores de notícias. Retiramos do bolso o que vai dar vida à notícia 


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