Convergência no jornalismo

Os desdobramentos e consequências do fenômeno da convergência na prática jornalística ● Por Camile Cortezini e Milena Antunes



      
Convergência, do latim, convertere, “virar, transformar”, de com, “junto”, mais vertere, “virar, torcer”. E nos dicionários da língua portuguesa significa “direção comum para o mesmo ponto”, tender, dirigir-se (para um ponto comum). Concorrer, afluir (ao mesmo lugar). Tender (para o mesmo objetivo). Porém, pensar a temática da convergência na área da Comunicação é algo mais complexo.

      Vamos começar pelo que há de mais conhecido no meio: a obra “Cultura da Convergência” (Editora Aleph, 2008) de Henry Jenkins. O autor aborda o tema em três diferentes perspectivas. A noção de Convergência midiática, para ele, não deve ser compreendida apenas como um processo tecnológico que une múltiplas funções dentro dos mesmos aparelhos, mas como um fenômeno que alterou as relações entre tecnologias existentes, indústrias, mercados, gêneros e público. Já o termo Convergência corporativa diz respeito à concentração de poder das grandes empresas que conseguem acumular muitos meios (jornal impresso, telejornalismo, plataformas online, entre outros) e são encarregadas da administração, tomada de decisões e domínio dessas mídias. Convergência cultural, por sua vez, remete-se à expressão “cultura participativa” e exclui a ideia de colocar produtores e consumidores de mídia como ocupantes de papéis separados. Na verdade, para esse autor, receptores interagem de forma ativa e participam da produção de conteúdo nesse processo.

      Para o professor acadêmico e comunicador Ramón Salaverría, no entanto, o fenômeno é multidimensional. A convergência jornalística se refere a um processo de união de meios de comunicação que afeta o meio empresarial, as tecnologias, os profissionais e o público em todas as fases de produção, distribuição e consumo de conteúdos de qualquer tipo. Na opinião do teórico, em entrevista ao jornal português Público, a Internet aparece como o único suporte capaz de integrar os diferentes conteúdos de todos os meios de comunicação social (rádio, TV e imprensa).  

      Fato é que a convergência dos meios de comunicação e das novas formas de produção de conteúdo atingiu em larga escala o fazer jornalístico. Logo, convergir não se resume a unir plataformas e linguagens ao narrar. O fazer jornalístico se tornou mais convergente, tanto nas práticas de produção de pauta, apuração, redação e edição, como nas relações de trabalho. 


Narrativa convergente


     Narrativa convergente ou hipermídia/ multimídia é aquela que se desenvolve através de uma mesma plataforma utilizando recursos multimídia (ver o verbete elementos da multimídia), cada qual contribuindo de forma complementar para narrar um mesmo conteúdo. No universo jornalístico, esse tipo de narrativa vem sendo muito utilizada como estratégia de maior alcance de público. Esse novo meio de narrar é possível graças ao atual aparato de redes midiáticas que são capazes de estender as experiências a respeito de um mesmo assunto.


A gente é arte e texto, a gente é digital e impresso, a gente é tudo ao mesmo tempo”.
– Luís Fernando Bovo, diretor de mídias sociais do Estadão. 



     Essa nova proposta de narrativa prende mais a atenção do leitor porque interage melhor com ele, torna a relação mais simples e exige menos tempo voltado para leitura, já que todo contexto é dotado de diversos recursos em áudio, imagens, texto escrito e vídeo, tornando a comunicação ainda mais completa e expansiva. Numa sociedade em que o tempo anda escasso, esse novo modo de organizar as informações é muito válido, importante e necessário para o jornalismo.


No portal G1, é comum que as matérias contenham
imagens, vídeos e hiperlinks no decorrer do texto.
Outros modos de convergir


     O modo de fazer jornalístico foi reconfigurado pelo processo de convergência, também no sentido de recuperação de múltiplos conteúdos em diversas plataformas diferentes. O nome dado a esse tipo de convergência é a prática crossmidia, quando um mesmo conteúdo ou afim/ correlato pode ser disponibilizado em celulares, tablets, computadores e outros aparelhos ao mesmo tempo, mesmo que em perspectiva on demand, remotamente. 

     Explorada sobretudo na internet, essa convergência de conteúdos representa uma fusão de funções dessas mídias, onde uma, além de complementar a outra, serve como meio equivalente, de acordo com as condições, contextos e necessidades do receptor. Ou seja, o público alvo do jornal X tem a possibilidade de fazer a leitura no conforto de casa, no computador, assim como no trabalho ou na rua, utilizando um smartphone.

     “As editorias não fazem mais essa diferenciação de para onde o jornalista está mandando o conteúdo dele. O que é muito legal, é que o conteúdo fica uniforme. A editoria decide como ela vai cobrir aquele assunto e aquilo é espalhado para todos as plataformas”, afirmou o jornalista Luís Fernando Bovo, em entrevista aos alunos de jornalismo da UFRRJ, na sede do jornal Estado de SP.

     Nas redações, o reflexo desse fenômeno é cada vez mais evidente. Agora a preocupação está em satisfazer os leitores desses diferentes meios com a mesma linguagem, além da necessidade de adequar o conteúdo para todos as plataformas, o que demanda tempo e um trabalho muito mais complexo.  

     “O que acontecia antes é que quando você tinha dois times trabalhando, o papel fazia uma coisa e a internet fazia outra. Agora, quando vamos discutir uma cobertura grande, por exemplo, pensamos em como vamos cobrir em todas as plataformas. Como é que vai ser essa visualização no celular? Como é que vai ser essa visualização no site? A visualização nos aparelhos é muito diferente, você perde muito mais tempo discutindo isso do que como é que vai ser a cobertura no papel”, completou o jornalista.

     Nesse caso, além de conteúdo, há a convergência das funções dos dispositivos de mídia. Os smartphones são os melhores exemplos, uma vez que se tornaram verdadeiras versões compactas e simplificadas de computadores, televisão e rádio.


Novas formas de apuração


     As formas de apurar também mudaram. Novas possibilidades foram criadas a partir do novo contexto em que a convergência nos colocou. Hoje, um jornalista recebe informações pelo celular, vídeos e áudios em tempo real, logo depois dos fatos ocorridos. Entrevistas também podem ser feitas através dos celulares, e-mail e chamadas de vídeo. Essa nova perspectiva reestruturou a prática de apuração jornalística tornando o contato com fontes ou documentos muito mais simples e rápida de modo que as reportagens são produzidas e difundidas em tempo recorde. 
WhatsApp do Jornal Extra.

     No Estadão, por exemplo, o WhatsApp é usado como ferramenta de apuração. O jornalista Luís Bovo fala sobre a produção da notícia: “o WhatsApp também facilitou muito isso hoje, você tem uma participação quase instantânea do leitor. (...) Mas não é porque você já recebeu no WhatsApp que aquilo é uma informação, você tem que checar se aquilo é real ou não real, porque tá cheio de gente armando, aprontando, mandando informação falsa então você tem que checar isso.” 

     Além do WhatsApp, outros aplicativos de celular e diversas ferramentas facilitaram muito o trabalho de apuração, entretanto isso não diminui a responsabilidade e o comprometimento do jornalista com a informação e sua veracidade. Ele ainda se configura no lugar de gatekeeper, quem seleciona e estrutura o conteúdo.


O fazer jornalístico: novas relações de trabalho


     A convergência não se manifestou apenas na esfera tecnológica mas interferiu também nas relações de trabalho do profissional. Se antes o trabalho era dividido entre diferentes jornalistas, cada um com domínio em determinado assunto, agora o profissional precisa se especializar nas múltiplas funções. Até porque no mundo digital tornou-se mais fácil e necessário aprender a trabalhar com programas, dominar aplicativos, manusear câmeras, fotografar, filmar, editar, entre outras coisas. 

     “Todo jornalista precisa fazer vídeo, precisa fazer entrevista, precisa saber escrever, precisa saber mexer com dados, precisa saber postar em rede social, precisa saber ouvir o leitor”, disse Marcelo Soares da TV Folha.

     As redações, que antes contavam com um número grande de jornalistas, hoje são compostas por uma quantidade bem reduzida de profissionais. Quem não se adequa as novas formas de produzir está fora, o mercado de trabalho jornalístico está bem apertado e exige habilidades com o meio digital, com equipamentos tecnológicos, já pré-requisito para exercer a profissão 

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