Encontro ao acaso: Mino Carta

Em breve entrevista a estudantes de Jornalismo da UFRRJ, Mino Carta faz críticas contundentes à era tecnológica e ao jornalismo nosso de cada dia ● Por Karen Bandeira



     Ao invés de um computador, uma máquina de escrever Olivetti. Essa é a ferramenta principal de trabalho de Demetrio Carta. Aos 82 anos, nascido em Gênova, na Itália, veio para o Brasil em meados da década de 40 com seus pais e dez anos depois começou a construir sua história na imprensa do país. Dentre suas principais atuações como jornalista, dirigiu as revistas Quatro Rodas, Veja, IstoÉ, o Jornal da Tarde e atualmente é o diretor de redação da revista Carta Capital. Multifacetado, não se rende à tecnologia. Assim, Mino Carta continua desenvolvendo com maestria seu trabalho, depois de 50 anos de profissão, sem se aproximar do computador e, como ele mesmo denomina, sua “bocarra sinistra”.

     Como sabemos disso? O destino nos pregou uma peça, quando numa manhã nublada de uma quinta-feira (20/08/15), chegamos à redação da revista Carta Capital, próxima à Avenida Paulista, em São Paulo, e fomos acolhidos pelos profissionais que lá estavam.  A missão de nossa equipe, nessa visita agendada com dois meses de antecedência, era entrevistar somente os jornalistas que editavam a publicação mensal e trabalhavam na TV Carta

     Para nossa surpresa, enquanto todos estavam atentos à entrevista com o redator-chefe da revista, Sérgio Lírio, eis que adentra a figura incólume de Mino Carta pela redação. Definitivamente, não imaginávamos que ele ainda trabalhava in praesentia, achávamos que escrevia editoriais e matérias de sua casa.

     Como se não bastasse a surpresa, minutos após sua chegada, ouvimos o som da máquina de escrever. Lá estava Mino, datilografando o editorial da revista da semana seguinte. Impulsionados pelo espanto, fizemos algumas fotografias (com a permissão dele, claro!), a fim de registrar aquele momento histórico para nossa vida de estudantes de jornalismo. 

     Alguns minutos depois fomos agraciados com a possibilidade de entrevistá-lo. Para a equipe, uma honra, considerando toda sua trajetória. Mino Carta, que recebeu o título de Honoris Causa pela Faculdade Cásper Líbero, chegou a cursar alguns períodos de Direito na Universidade de São Paulo (USP), porém não continuou o curso ao notar que sua legítima área era a de comunicação. Além ser muito experiente nas redações, já publicou cinco livros. “Histórias da Mooca, com as bênçãos de San Gennaro” (1982), “O Restaurante Fasano e a Cozinha de Luciano Boseggia” (1996), “O Castelo de Ambar” (2000), “A Sombra do Silêncio” (2003) e “O Brasil” (2013).

     Também recebeu dois prêmios Esso de Jornalismo. O primeiro (1964), na categoria “Regional – Grupo A” pela matéria São Paulo publicada na revista Quatro Rodas e o segundo (1966), na categoria “Prêmio Esso de Equipe”, pela obra Casamento de Pelé, publicada na primeira edição do Jornal da Tarde. Além desses prêmios, em setembro de 2006, foi premiado com o Borgo Val di Toro, em Parma (Itália) e em outubro do mesmo ano recebeu o prêmio de Jornalista Brasileiro de Maior destaque do ano, da Associação dos Correspondentes da Imprensa Estrangeira no Brasil (ACIE).

     Como pupilos em torno do mestre, sentamos todos ao seu redor e ele, no meio. O momento também foi registrado pelos outros jornalistas da redação, com admiração e reverência.

Mino Carta

     Durante a entrevista, em súmula, o que mais nos chamou a atenção na breve fala de sete minutos, concedida aos estudantes e professores de Jornalismo da UFRRJ, foi seu olhar perante as tecnologias. Ele abre suas considerações com um desabafo:

Talvez por causa da minha idade provecta (avançada), eu não tenho o menor achego ao computador. O computador serve para distanciar as pessoas. Em lugar de aproximá-las, só serve para emburrecê-las e distanciá-las. O emburrecimento é transparente. Lê-se cada vez menos. (...) Eu realmente nunca me aproximo do computador porque receio que ele me emburra, com a sua bocarra sinistra. Então eu sou definitivamente um ser batido, derrotado, isso é óbvio pelo avanço.

     Outro ponto destacado pelo sênior jornalista foi sobre a riqueza da cultura e a necessidade de se valorizar a Língua. “O bom uso do vernáculo é decisivo na história de um ser humano. É a única maneira de dizer que estamos vivos”, enfatizou.

     Mas novamente retorna à questão da tecnologia, ao criticar até o sedentarismo dos jovens, que vivem entregues aos “aparelhinhos”. Para Mino Carta, os dispositivos tecnológicos inibem os estudantes de estudar e, para ele, também não estamos mais aprendendo a escrever. Diz que se sente vencido e derrotado pelo avanço tecnológico, que, em sua visão, significa “atraso e um caminho para a desgraça” (todos riem nesse momento). 

     Até fez alusão a Umberto Eco, ao destacar um dos seus axiomas: “A decadência do mundo começa pelo fato de que todos, indistintamente, todos os seres humanos dizem, comunicam, informam a respeito da sua opinião”. Para ele, tais opiniões seriam, em sua maioria, “besteiras inomináveis”. 

     Quando questionado sobre as diretrizes da revista, explicou que a publicação “navega com dificuldades”, visto que claramente seus participantes adotam linhas editoriais diferentes do convencional, do mainstream. “Somos perigosamente subversivos. Em um país que progressivamente se imbeciliza com extremo prazer, com dedicação a estupidificação geral”, lamentou. 

     Em relação aos jornais brasileiros, não hesitou em dizer que são os piores do mundo, com suas mentiras e invenções (Mino tirou, nesse momento, gargalhadas de todos).

     Perguntamos a Mino Carta que conselho daria aos jovens jornalistas, em início de carreira. E assim ele se colocou: 

Não dou conselhos. Mas por uma razão muito simples: onde é que eles vão trabalhar para praticar o jornalismo? Vão trabalhar para os barões midiáticos. Essa mata infecta de gentalha inominável. Um Roberto Marinho da vida, um Roberto Civita da vida. Esses são os senhores para os quais vocês terão que trabalhar. Eu vou dar conselho como? 

     Terminou seu discurso fazendo um convite à revolução, com ressalvas: “Mas no Brasil, o país da casa grande e da senzala, antes que aconteça uma revolução, devem passar alguns séculos” 


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